domingo, 21 de setembro de 2008

Liga dos Últimos

Não gosto muito da nossa televisão. Mas gosto da Liga dos Últimos. E não sou o único.

From Portugal

Trancrevo um artigo do Francisco Moita Flores na TV Guia nº 1547:

Liga dos Últimos

Não me apetece falar de crimes, nem de violência, nem de polícias. Existem momentos de TV em que a vida pára, em que a ternura emerge, em que a lágrima ou a gargalhada brotam sem que outra razão exista que não seja ver televisão.
Passa na RTP, a várias horas e em vários canais. A Liga dos Últimos, liderada por Álvaro Costa e Hernâni Gonçalves, é uma lição de vida, de festa, de compreensão de um país, o país dos últimos, afinal, o país que somos, sempre em último nos índices de desenvolvimento europeu.
A pretexto do futebol, de jogos das últimas divisões, os seus autores têm o talento de revelar um mundo que não é rosa, nem cabe nas revistas cor-de-rosa, feito de bifanas, paixões e desgarradas. Um país imenso que se descobre na carolice, um país do desenrasca, uma multidão de sonhos vividos como quimeras nos campos pelados, rodeados de bebedeiras, discussões e pobreza. Um país que não é notícia, nem primeira página, que não entra em galas e não sabe, porque lhe é indiferente, o tamanho do mundo. Um país que sobrevive, que transforma a espontaneidade num milagre de vida, desdentado, com projectos que não vão para além do limite da sua rua.
A Liga dos Últimos é uma incursão por um país tão real, que não conhece as Novas Oportunidades, que já ouviu falar vagamente da União Europeia, a quem o talento dos seus criadores e repórteres e a maestria de Álvaro Costa e Hernâni Gonçalves entrega mais doçura e nos deixa na permanente hesitação sobre se não somos todos nós que por ali passamos, umas vezes à canelada, outras vezes de braço dado.
Não é um momento de televisão sobre aqueles que vivem, mas sobre aqueles que sobrevivem. Em que o dirigismo desportivo não tem dinheiro, em que os árbitros não têm razão para serem corrompidos, onde a pureza das intenções vai muito para além da impureza do pó e do álcool, das interpretações e comentários. Então, o Prémio Capitão Moura é impagável e, quando se percebe que está a chegar ao fim, nasce um sentimento de saudade, de desejo que não acabe, e não sabemos se havemos de rir, se havemos de chorar, e chegam-me aos sentidos os sinos de Hemingway quando a ficha técnica encerra aquele tempo de tanto prazer e desprazer, que não perguntarei por quem os sinos dobram. Eles dobram por nós.

Francisco Moita Flores

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